Para não esquecer...

HOTEL SAVOY

Joseph Roth
Hotel Savoy
Alfragide: Dom Quixote, 2ª ed., 2024, 156 pp.

Já tinha lido a Marcha de Radetzky, em 2018, e o autor voltou a fascinar-me.

Passado no rescaldo da I Grande Guerra, 1914-1918, julgo que na Polónia, no Hotel Savoy cruzam-se soldados que voltam da frente, muitos judeus a que o autor pertencia. No hotel cruzam-se pobres e ricos; estes, nos primeiros andares e os pobres, nos últimos. Muita pobreza e alguma riqueza. Imaginamos aquele vaivém de gente à procura de refazer a vida. 
 
Um mestre, este Joseph Roth! Alcoólico, morreu aos 44 anos, teve uma vida difícil. A sua experiência a viver em hotéis foi grande. 
 
Vale a pena ler.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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curtas 43. COFUNDAM-SE!

PS, PCP, VERDES, BE, LIVRE, PAN!
Cofundam-se!

(Mas salvem a Festa do Avante!)

escrito por Carlos M. E. Lopes

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PORQUE HOJE É DOMINGO... * 6


O usufruto dos prazeres da água [dos banhos romanos] chegou a converter-se numa marca de identidade da cultura pagã e da civilização de Roma, até ao ponto de os cristãos mais estritos abominarem as termas como sintoma de volúpia, de sensualidade e de corrupção espiritual. 

Ainda se conserva a carta de um monge camponês do século V que afirmava: «Não nos queremos lavar nos banhos.» Os homens santos entenderam o fedor como uma medida de devoção ascética.Recusavam a limpeza para expressarem a sua oposição ao estilo de vida dos romanos.

Simeão, o Estilita, negava-se a deixar que a água lhe tocasse e «o fedor era tão potente e hediondo que era impossível subir nem que fosse até meio das escadas sem incómodo; alguns dos discípulos que se obrigavam a chegar até ele só podiam subir depois de terem untado no nariz incenso e unguentos fragrantes». Após passar dois anos numa gruta, São Teodoro de Estudita surgiu «com um fedor tal que ninguém suportava estar perto dele». Clemente de Alexandria escreveu que o bom gnóstico cristão não quer cheirar bem: «Repudia os prazeres espetaculares e os restantes requintes do luxo, como os perfumes que agradam o sentido do olfato ou as atrações dos diversos vinhos que seduzem o paladar ou as grinaldas fragrantes feitas com diferentes flores que enfraquecem a alma através dos sentidos.» 

Naquela altura, o «cheiro de santidade» era fétido.

[Irene Vallejo. O Infinito num junco]

escrito por ai.valhamedeus

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curtas 42. PAÍS INSEGURO

Ventura diz que não vivemos num país seguro. 

É verdade! Com tanto Chega, quem pode garantir que está num país seguro?

escrito por Carlos M. E. Lopes

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NA CABEÇA DE VENTURA

Vítor Matos
Na cabeça de Ventura
Lisboa: Zigurate, 2024, 188 pp.

“Quis ser padre e escritor. Ganhou notoriedade como comentador de futebol. Mas foi a descoberta de que havia mercado eleitoral para o discurso xenófobo que lhe proporcionou uma ascensão meteórica na política portuguesa”. A capa tem este resumo da vida pública de André Ventura. É, dos três livros sobre os líderes que se presume mais votados, o que mais vende, certamente. Todos nós queremos saber alguma coisa desta personagem.

Tendo lido o livro, fiquei com a ideia de que Ventura, apesar das boutades, é moderado. Pode parecer estranho. As interpretações religiosas dele deixam muito a desejar; as ideias, em geral, são repulsivas; mas ele explora um nicho de mercado que lhe deu notoriedade e apoio popular. Coisa diferente é o núcleo duro da sua entourage. Não surpreenderá que a criatura engula o seu criador. No seio do Chega há de facto fascistas, do piorio.

Ventura vai dizendo o que a maioria silenciosa quer ouvir. “Enquanto cresce, à medida que constrói caminho, com a subida exponencial nas sondagens, ganha ainda mais confiança. Mas uma coisa são as perceções; outra, as realidades: e André Ventura sabe ler e interpretar o que as pessoas querem ouvir, sabe alimentar essas perceções, e vai-se alimentado ele próprio delas” (p. 146). 
 
João Pereira Coutinho diz “Fez uma espécie de prospeção para saber qual seria o seu nicho e viu perfeitamente que faltava um partido populista de direita, tal como acontece nos outros países da Europa, e é mais um caso de oportunidade que de grande convicção ideológica. Oportunidade e oportunismo, claro” (p. 178).

Ventura copiou os grandes temas na Europa: refugiados, migrantes, minorias, religião, teoria da substituição e verbaliza-os, mesmo que nenhum desses temas sejam hoje problema em Portugal.

Mon chapeau!

escrito por Carlos M. E. Lopes

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NA CABEÇA DE PEDRO NUNO



Ana Sá Lopes
Na cabeça de Pedro Nuno
Lisboa: Zigurate, 2024, 159 pp.
 
Ana Sá Lopes traça o perfil de Pedro Nuno Santos, o secretário-geral do PS, mas há pouco a dizer. 

Definindo-se como fazedor, esteve pouco tempo no governo, mas esteve ligado a episódios, pouco claros, na TAP, embora reivindique resultados positivos na transportadora aérea, coisa que parece verdade. Anunciou a solução do problema do aeroporto, mas teve de retirar de imediato a medida, a mando do primeiro-ministro. 
 
Keynesiano, aposta no investimento público. Estudioso, rico, com avô sapateiro, tem carisma e a ele se deve, em grande parte, a constituição da geringonça. Mas o seu percurso também se fez com alianças com o PSD.

Defensor do casamento gay, sempre com posições de grande frontalidade, orador empolgante, chegando mesmo a ofuscar Costa, Pedro Nuno tem feito um percurso seguro e é, neste momento, de longe, o maior trunfo do PS. 

Pedro Nuno defende a União Política da Europa (para esquerdista, como lhe chama a direita, não está mal), a partir do Parlamento Europeu, e isto “porque todos os cidadão europeus perceberam que a Europa não se constrói em Bruxelas ou Estrasburgo, mas sim entre Berlim e Paris.” (pág. 85). 
 
Estejamos atentos a este furacão!

escrito por Carlos M. E. Lopes

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NA CABEÇA DE MONTENEGRO


Miguel Santos Carrapatoso
Na cabeça de Montenegro
Lisboa: Zigurate, 2024, 199 pp.
 
A história de Montenegro é um conjunto clamoroso de derrotas, copiosas derrotas. Desde sempre e em todo o lado. Mas é estoico. E, embora tenha o carisma de um calhau, nada o impede de vir a ser primeiro-ministro. Já vimos situações parecidas e opostas. Fernando Gomes, quando se recandidatou à Câmara do Porto, fanfarrão, foi derrotado por um Rui Rio sem chama. Nada impede que com Montenegro se passe o mesmo.

Dos dois partidos do “arco do poder”, o PSD é o que apresenta maiores dificuldades de se distinguir das suas sombras: Chega e IL. No caso de Montenegro, acresça-se Marcelo Rebelo de Sousa. Ambos lhe roubam eleitorado e lhe pisam áreas programáticas. Embora sem descurar a intervenção do Estado, Montenegro tem tido dificuldade em se demarcar e em dizer se afasta o Chega da área do poder, quando tudo indica que, sem IL e Chega, não poderá governar, a não ser que o Bloco Central se constitua no terreno.

No seu afã de se demarcar da IL e Chega – aquele com consistência programática e este, um manta de retalhos de slogans sonoros – daí que “Não assustar ninguém para convencer quase todos. Esquecer a ideia de «reformas estruturais», necessariamente temidas porque inevitavelmente disruptivas, fugir do espantalho da direita neoliberal e exorcizar o papão da direita reacionária e xenófoba. E, para isso, apresentar-se como uma versão melhorada de António Costa, a competência na continuidade, um projeto de renovação indolor.”(p. 146).

escrito por Carlos M. E. Lopes

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CINQUENTA VEZESE VINTE E CINCO

O 25 de abril – sempre?

Havia um juiz a quem os funcionários, talvez movidos por algum pedido de um amigo interessado, perguntavam se já tinha dado a sentença de um determinado processo. O juiz, às vezes, dizia que a sentença já estava dada, só faltava escrevê-la.

Há anos que ando à volta com esta ideia: escrever sobre o 25 de abril. O meu 25 de abril. É porque cada um que o viveu tem o seu. Temos cerca de dez milhões de 25 de abril 

(bom, com os que já morreram, temos para aí quatro milhões, sei lá).

As ditas ciências sociais, que não são ciências por lhes faltar o se que nas verdadeiras ciências há, não permitem, pela natureza das coisas, dizer “se o 25 de abril não se tivesse dado naquele dia, mas não se tivesse dado de todo ou se tivesse ocorrido dez anos depois, como seria?”. Embora sabendo disso, não resisto ao se.

O 25 de abril dá-se motivado pela guerra nas colónias (províncias ultramarinas no dizer suave do salazarismo e do marcelismo), por causa da guerra colonial (Para Angola e em força!, como disse Salazar) e a desconsideração que os militares de carreira sentiram ao ser equiparados aos milicianos. A ideia inicial era um golpe de Estado puro e simples.

No próprio dia os militares, o MFA (Movimento das Forças Armadas), apelaram ao povo para se manter em casa, como quem diz “o assunto não é convosco, deixem-se estar sossegados”. Mas a população não obedeceu, veio para a rua, qual CNN avant la lettre, e quis seguir o golpe em direto. Dias depois, o 1º de maio foi um delírio coletivo. Mais de um milhão de pessoas nas ruas de Lisboa a comemorar o fim da ditadura e a celebrar os militares e a liberdade. Que tem isto de mal? Nada, absolutamente nada.

Os golpes de Estado em Portugal, e não só, são suaves milagres. No 5 de outubro de 1910, se não estou em erro, Brito Camacho, perguntado como se proclamava a República no resto do país, disse: “por telégrafo”. E o que é certo é que a monarquia caiu sem um estertor, tirando uma excitação de Paiva Couceiro na Rotunda.

Em Tavira, Zacarias Guerreiro subiu ao comboio em Tavira, no dia 6, para tomar posse como governador civil de Faro. No Algarve houve só duas resistências, em Loulé e Santa Catarina, mas talvez por pouco informados. 

Em 1926 a República caiu sob a ditadura, sem qualquer resistência.
Mas a “coisa” não é exclusiva de Portugal. Na Alemanha de Leste, diz um amigo meu, para passar do nazismo ao regime de esquerda foi só fechar a mão.
Há tempos, Manuel Vasquez Montalban terá dito que os antifranquistas na Catalunha não encheriam um autocarro. Javier Cercas corrigiu o criador de Pepe Carvalho e disse que para transportar os antifranquistas da Catalunha bastaria um táxi.

É difícil saber quantos antifascistas haveria em Portugal no dia 24 de abril de 1974, mas sabemos que no dia 25 eram cerca de dez milhões.

Deixemo-nos de tretas, a esmagadora maioria ou apoiava ou era indiferente ao regime salazarista e marcelista.

Tínhamos uma população analfabeta, inculta, economicamente pobre. Uma lástima. Tínhamos uma classe média que se alcandorou nos empregos, na sua maioria, através de pedidos, cunhas, empenhos, eu sei lá. Esta miríade de dependências era um dos sustentáculos do regime. Não era só a repressão, nem sobretudo. Grande parte da classe média atingia os seus empregos através da malha da corrupção, ao contrário do que por aí se diz da natureza incorruptível do regime.

A adesão da população aos ventos da liberdade não foi oportunista (ainda que também tivesse sido), mas a propensão para agradar ao poder. Há muitos casos de “colagem” abusiva ao novo regime. Um vereador do antigo regime, ao ver um oposicionista na rua, nos primeiros dias após o 25 de abril, abraçou-o e disse-lhe “finalmente somos livres”. Foi o que a maioria fez. Este vereador não foi oportunista, fez o normal, a conformação com os vencedores, o sentir-se com os ventos da história. 

De uma forma geral, a população não tinha formação política, ou melhor, não tinha qualquer formação. Mesmo os mais politizados, estou-me a lembrar dos militantes do PCP, tinham uma formação política incipiente, básica. Dizia-me alguém que, na maioria dos casos, o livro que estes militantes liam era A MÃE de Máximo Gorki. Nem Marx, nem Engels, nem Lenine faziam parte da sua formação. Era uma tristeza franciscana.

Claro que, depois do 25 de abril, parecia que era tudo tu cá, tu lá com Marx, Engels, Mao Tsé-Tung, Lenine. E todos com uma história da sua luta antifascista para contar.

A mesma razão por que se apoiava ou se era indiferente ao regime deposto no 25 de abril é a mesma por que se apoiaram os partidos moderados que surgiram depois, isto é, PS e PSD. A razão de ser é a mesma: conformação com o poder.
Se o PSD tem (ou tinha) a sua base de apoio nos agrários, na média burguesia bem formada, nos quadros técnicos, o PS é o partido da pequena burguesia, do comércio e dos serviços. Apesar de tudo, o PSD com um ar mais modernaço, tecnocrático, europeu.

O CDS era o partido dos restos do antigo regime. Ligado aos meios rurais conservadores e à Igreja ultramontana.

O PCP era o partido dos trabalhadores rurais alentejanos e dos operários da Cintura Industrial de Lisboa.

Isto, grosso modo. As generalizações ajudam a compreender, mas nunca são rigorosas.


O conformismo que nos levou a aguentar o regime ditatorial é o mesmo que nos leva a aceitar a União Europeia, o Euro, as ordens de Bruxelas. Aceitamos tudo sem discutir: “Tudo o que vem de Bruxelas é bom. Tens alternativa?”.

A pergunta, sem resposta, é a seguinte: Se não tivesse havido o 25 de abril, onde estávamos?

Não há resposta, pois em estudos sociais não há se. As coisas foram o que foram e nada a fazer.

Mas vou fazer um exercício.

[imagem copiada daqui]

A Grécia tinha uma ditadura, a Espanha tinha uma ditadura, o Brasil tinha uma ditadura, a Argentina tinha uma ditadura, o Chile tinha uma ditadura, só para falar de algumas, aquando do 25 de abril. Todas passaram a democracias ocidentalizadas sem derrame de sangue. Alguns dizem que por influência do 25 de abril. Portugal não teria “evoluído” para uma democracia, sem ter havido necessidade de um golpe de Estado? Esta pergunta não tem resposta. Os que lá estão não estariam lá na mesma, sem o 25 de abril? Eu creio que sim, mas não posso prová-lo. Assim sendo, e supondo que tenho razão, foi o 25 de abril um ato inútil? Nesta perspetiva, sim.

O 25 de abril não trouxe um homem novo, nem o socialismo e uma sociedade sem classes, que a Constituição propalava e que todos os partidos aprovaram.

O 25 de abril manteve o homem ronhento de antes do 25 de abril, as cunhas, os empenhos, os jeitos, os pedidos que já vinham de trás. Talvez resultado de um Estado centralizado, omnipresente e poderoso.

Esta atitude de conformismo passa-se em outros países. Aqui ao lado, em Espanha, a adesão ao franquismo foi avassaladora, depois da vitória deste. Veja-se Uma História de Espanha de Arturo Pérez-Reverte.

O regime de antes do 25 de abril era um regime exaurido, incapaz de se renovar e de dar respostas aos desafios que se lhe colocavam. As colónias eram um anacronismo e um beco sem saída. Não havia maneira de mantê-las. Portugal era pobre, analfabeto, sem elites, afastado das ideias e dinâmicas modernas. O país estava isolado. Há muito que antigas potências coloniais tinham abandonado os seus impérios. Aliás era evidente que havia outras formas de continuar a explorar esses povos, sem o domínio político. Portugal nunca entendeu isso, agarrado à ideia de um Portugal do Minho a Timor –– nem poderia, pois não tinha desenvolvimento económico e social para fazer isso.

O golpe de Estado no Chile em 1973 foi o princípio da implantação do neoliberalismo no mundo. Os Chicago Boys de Milton Friedman instalaram-se em Santiago, depois no Reino Unido de Margareth Tatcher –– esta, com o seu guru Friedrich Hayek –– e na América de Reagan. Espalharam-se por todo o mundo e também em Bruxelas, claro. Hoje a agenda económica dominante é neoliberal, como se vê. E tanto faz o governo PS ou PSD. A diferença é que um vai de bicicleta e o outro vai a pé, mas o destino é o mesmo.

Entretanto a nossa Constituição foi sendo alterada, cortada das passagens mais ideológicas, restando hoje uma Constituição que nada tem que ver com a de 1976. A Constituição foi sendo adaptada aos interesses das ideias dominantes, quer do PS, quer do PSD, quer de Bruxelas. Sempre no sentido neoliberal. Esta não é uma corrente exclusiva de Portugal. A social-democrata Suécia, onde está?

É óbvio que não gosto disto. Eduardo Paz Ferreira tem sido um dos poucos resistentes, em Portugal, a esta voragem neoliberal. Vale a pena lê-lo.

A esquerda, em vez de fazer uma pausa para pensar o que nos está a acontecer, tem sido incapaz de refletir e descobrir caminhos.

Eu, ilusoriamente, acreditei em outro Portugal: mais livre e socialista, embora, agora, não saiba dizer como se materializaria tal socialismo. 

A liberdade em que vivemos, não era bem o que eu queria, embora eu não saiba o que quero. As experiências políticas em que tive esperança foram um fracasso tremendo. Mas o facto de os “remédios” para a sociedade capitalista terem sido ineficazes e um fracasso não significa que a doença seja boa.

É por isso que, tal como José Afonso cantava no poema que dedicou a Alfredo Matos, nunca usei cravo na lapela.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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